DIA DOZE

The Masquerade.
A máscara. Construimos continuamente personagens que nos “substituem” nas tarefas do dia a dia, na escola, na empresa, no trabalho, na reunião social, na igreja, no partido político, naquele grupo ou associação, naquele evento, naquela inauguração, naquele dia no cinema ou no café. Temos uma máscara pronta para cada situação. Tantas máscaras que acabamos por nos perder dentro de nós mesmos. Quem somos realmente? Todas as máscaras? Nenhuma delas? Quem é verdadeiramente o rosto que nos olha ao espelho? O problema é que vemos apenas o rosto, a máscara. Nunca vemos o espelho. E julgamos todas essas máscaras como sendo a nossa realidade. Mas são apenas máscaras num espelho. Um retrato fugaz de uma fotografia no revelador, uma imagem que por momentos, percebemos na vidraça de uma janela. Mas que logo desaparece.
As máscaras vão e vêm. Por vezes desaparecem. Outras voltam. Mas nunca ficam permanentemente. O jogo da vida não para e essas máscaras não passam de formas de lidarmos com as situações que a vida nos coloca. A sociedade impõe-nos essas máscaras. Cada situação requer uma máscara. Há que nos comportar à altura da situação. Se a vida muda constantemente, é impossível nós permanecermos os mesmos indefinidamente. As máscaras mudam. Mas mudam apenas exteriormente, porque no interior permanecemos os mesmos. A mudança é sempre superficial. A tempestade apenas afeta a superfície do mar, no fundo, cá em baixo, a serenidade permanece. O ruido é só superficial. No interior reside o silêncio.
Na arte, por exemplo, quantos artistas se escondem por detrás de máscaras? O seu trabalho, a sua obra é a sua máscara. Essa obra deveria apontar esse ser em silêncio que se encontra por detrás da obra, mas optamos por fazer ruido. Quanto mais ruido melhor. Quanto maior for a máscara melhor. Mas quanto maior for a máscara, ou as máscaras, maior é o abismo entre a obra e o ser. O despertar artístico é não só reconhecer o ser que reside, que habita na obra, mas também apreciar o seu silêncio. E cada vez apreciamos mais o ruido. Ele está sempre presente nas nossas vidas. Dentro e fora da cabeça. Em qualquer sítio público que entremos, num shoping, num aeroporto, num café, até no elevador, o ruido está lá. Está lá sob a forma de música ou de um televisor aceso. O ruido está lá. O ruido está em todo o lado. O ruido impede-nos de pensar. De tomar consciência de nós próprios. O ruido, o mercado, as massas. O ruido impede-nos de nos elevarmos espiritualmente, porque para nos elevarmos espiritualmente é preciso silêncio. Interior e exterior. E se o ruido se amplificou de forma a ocupar todos os momentos da nossa vida, também nas artes a tendência é a da massificação. Eventos cada vez mais grandiosos, mais espetaculares, mais ruidosos. Quanto mais grandiosos e mais abrangentes melhor. E quanto mais grandiosos e abrangentes pior é a arte.
A qualidade da arte não se mede aos palmos nem pelo número de vendas ou de seguidores nas redes sociais. Tudo isso é mero ruido. Uma máscara que tenta abafar a verdadeira espiritualidade.

A arte compõe-se de máscaras que o próprio artista recusa assumir. A sua obra é a sua máscara. E esconde-se por detrás dela.
Toda a máscara é uma farsa. Uma situação que se dramatiza ilusória. A máscara pressupõe interpretar um personagem que não existe. Presupõe acreditar-se no poder “restaurador” dessa máscara. No poder que a ilusão provoca no mascarado. O mascarado pressupõe sempre que não é reconhecido por detrás da máscara. É por isso que se mascara.
A máscara é uma ilusão. Através dela interpretamos personagens e dramas que desejamos ser reais. Acreditamos nesses dramas e nesses personagens. Julgamos ser nossos esses dramas e nossos filhos esses personagens.
Mas quando todas essas máscaras se confrontam a mentira vem ao de cima. É como se os próprios personagens a percebessem. E trocassem segredos entre si. “Descobrimos-lhe o segredo... tudo isto é mentira... uma ilusão... ele está cego...”.
A máscara comporta uma certa cegueira. A máscara pretende mostrar o que pensamos que os outros gostam de ver em nós. Expressa uma ideia de outrém e não o verdadeiro pensamento que temos sobre a realidade. Este é escondido por detrás da máscara. E escondemo-nos por detrás de máscaras para evitar a nudez. O confronto. O julgamento. Se formos todos iguais ninguém repara em nós. E tudo fica mais fácil. Seguimos a corrente, não porque queiramos seguir o mesmo percurso, mas porque ir contra ela, ou seguir noutra direção, é não estar dentro dos padrões da normalidade, é não ser um deles, não pertencer ao mesmo grupo.
(Excerto de "A Chama" - Alnirus, O Alquimista, livro 3, edição em pdf. José Vieira Collection)

"Masquerade", fotografia, 2020

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